“O Orgulho Brasileiro Ainda Falta pra Acontecer”, diz a chef Mônica Rangel
Há 22 anos a chef Mônica Rangel fundou o Gosto com Gosto, restaurante mineiro em Visconde de Mauá. Ela integra hoje um time reduzido de chefs brasileiros que valorizam cada detalhe da nossa cultura gastronômica, das técnicas aos ingredientes e utensílios. Nesta entrevista, ela detalha assuntos profundos da gastronomia como a falta de incentivos do Governo e sobre o decorrer de mais de duas décadas de dedicação à cozinha.
SM – Com quem você começou a cozinhar e quais memórias você guarda dessa época?
Chef Mônica Rangel – Como todo mineiro e goiano também, a gente sempre aprende a cozinhar mesmo com os pais, como o Dalton aprendeu comigo. Eu vivia na cozinha, sempre fui de escarafunchar, de ficar dentro, ajudando a fazer bolinho, ajudando a fazer biscoito. Primeiro com a minha avó, mas eu convivi pouco porque ela morreu eu ainda era criança, mas a minha mãe continuou esse legado. Mamãe não era uma pessoa de adorar cozinhar, mas tudo que ela fazia era maravilhoso. Então o melhor frango com quiabo que já comi, tutu. A comida da minha mãe é aquela história, o melhor elogio que a gente recebe é quando a gente iguala. Essa comida de memória, de afeto que a gente tem. E quando eu recebo esse elogio aqui no restaurante eu sei que cumpri o meu dever.
SM – Qual comida te emociona?
Chef Mônica Rangel – A comida que me emociona é a que consegue chegar perto da que eu comia na minha infância. Se eu saio pra algum lugar e alguém consegue preparar algo que chegue perto da minha infância, realmente isso me toca o coração.
SM – Como é a parceira com seu marido? Ele também cozinha?
Chef Mônica Rangel – Na verdade o Claudio gosta muito de cozinhar em casa, ele gosta de fazer sopa. Ele gosta de brincar um pouco, que é um momento em que ele relaxa depois de passar o dia no escritório. O papel dele no restaurante é cuidar das finanças e fazer as compras, essa parte toda. Quando eu saio, ele fiscaliza, prova os pratos pra ver se tá com mesmo gosto, o paladar dele é muito aguçado.
SM – Seus filhos acabaram seguindo seus passos. Como foi esse incentivo?
Chef Mônica Rangel – Incrível que cada um dos filhos partiu pra um lado, que é realmente a minha alma. Gabriela fez Veterinária e Dalton, Gastronomia. Veterinária era o que eu queria ter sido e eu não fui porque meu pai morreu quando eu tina 17 anos e tinha que ser tempo integral e eu achava que não dava, eu tinha que ajudar minha mãe trabalhando. Acabei largando essa veia. Gabi hoje está indo bastante pra cozinha, que era uma coisa que ela detestava. Ela criou horror à cozinha por me ver sempre lá e Dalton pegou o amor. Então foi opostos. Hoje ela voltou e vai bastante comigo pra cozinha.
SM – Como você enxerga a caminhada da Gastronomia até aqui e seu futuro?
Chef Mônica Rangel – Quando eu comecei há 22 anos e minha mãe chorou muito, porque eu sou formada em fonoaudiologia, sou uma pessoa que era secretária bilingue da Souza Cruz, então eu tinha uma formação e era muito feio cozinhar. Cozinha em casa era uma coisa, agora profissionalmente, mulher principalmente, isso não existia. Existia pra sub-emprego. E eu peitei isso quando eu vim pra Mauá, porque sempre foi uma coisa que eu gostei de fazer e fui. No começou foi bem difícil porque ninguém dava valor. Esse boom da gastronomia ajudou, mas ainda muito menos do que qualquer outro cozinheiro que diga que faça comida que não é brasileira. Eu acho que o orgulho brasileiro ainda falta muito pra acontecer. Ele melhorou bastante, quem faz comida brasileira já tem mais visibilidade, mas somos poucos. E quem tem maior visibilidade são cozinheiros que fazem comida brasileira com toques e formas que não são as nossas. Não é comida brasileira. Podem usar ingredientes brasileiros, mas com técnicas de fora. Aos poucos o negócio tá indo. Mas não sei até onde a gente pode chegar.
SM – E como você vê a posição do Governo na valorização da nossa gastronomia?
Chef Mônica Rangel – Eu nunca fui uma pessoa de me acomodar. Eu não fico esperando as coisas cairem no meu colo e por isso sempre fui de batalha no que eu acredito, nos meus insights. Eu acho que o Governo na verdade, a gente tem que batalhar muito. A gente tem problemas com a Anvisa, que é uma das minhas brigas. A gente tem problema com a Cultura, por não acreditar que de verdade ela não acredita nisso. São brigas que a gente tem que são tão simples de resolver. O tacho de cobre, por exemplo. Realmente gastronomia precisa ser Cultura pra gente ser reconhecido. É uma briga grande que a gente tem que ter com o Governo, uma briga intelectual e de provar que isso é realmente importante para o setor. Nós alavancamos o Brasil, mostramos ele lá fora positivamente e a gente não está sendo reconhecido e nem recebendo incentivos pra isso.
SM – Quais são seus próximos projetos?
Chef Mônica Rangel – Este é um ano de encerrar ciclos e eu não sei fazer isso bem e estou batalhando pra aprender e aceitar as coisas como ela tem que ser. Encerrou o ciclo do Cozinheiros em Ação, que durou três anos e não vai se repetir esse ano, o navio que esse ano foi o último. Tem alguma coisa enorme e grande pra acontecer. São duas coisas que eu apostei e me dediquei muito que elas cessaram. Eu não sou de ficar quieta. Vou dar um tempo pra poder digerir como é viver sem ter esse projeto na minha vida. O navio gourmet durou nove anos. Mas acho que a minha intuição vai me direcionar para o que eu tenho que fazer.
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