Chocolate, “Alimento dos Deuses”
Desvendamos alguns mistérios da história do chocolate e a origem dessa fruta tropical cercada de cultura e história –
Reportagem Patrícia Guimarães
Desejo, diz a Wikipédia, é uma tendência algumas vezes consciente, outras vezes inconsciente ou até reprimida por alguma coisa. Desejo então pressupõe carência. E um ser que não desejasse nada seria perfeito, um deus. “Por isso Platão e os filósofos cristãos tomam o desejo como uma característica de seres finitos e imperfeitos”. Esse sentimento arrebatador é logo acionado mentalmente quando pensamos na palavra chocolate. Pelo menos para 90% dos habitantes desse nosso mundo.
O chocolate é tão versátil que se você parar para enumerar as diversas possibilidades de uso, vai ficar ainda mais encantado com ele. Pode ser derretido, servir como cobertura, recheio, misturado a especiarias, puro ao leite, amargo, achocolatado, em uma grande caneca quente.
É até estranho imaginar que misturar chocolate com pimenta não é uma modernidade inventada neste século. O milanês Girolamo Benzoini, que percorreu a América Central, foi um dos primeiros a fazer relatos detalhados sobre o chocolate, em seu livro História do Novo Mundo (1564). Ele e outros viajantes escreveram que os maias e astecas temperavam suas bebidas de chocolate com diversos ingredientes, como flores aromáticas, baunilha, pimenta do gênero Capsicum, mel silvestre e urucum. Já os europeus, diz Harold McGee, em seu livro Comida & Cozinha – Ciência e Cultura da Culinária, acrescentavam sabores como açúcar, canela, anis, amêndoas, baunilha e almíscar.
Ao que tudo indica, o cacaueiro, planta tropical que dá origem ao chocolate, surgiu às margens de grandes rios da América do Sul equatorial e os primeiros a cultivarem o cacaueiro foram os olmecas do sudesde do México. As primeiras produções, conforme Harold McGee, surgiram na Espanha por volta de 1580 e em 70 anos o chocolate “já penetrava na Itália, França e Inglaterra”.
Combinar chocolate com ingredientes salgados, como indica a Chef Karen Bressan logo mais, também não é uma novidade desta era. As poucas receitas trazidas em livros de culinária do século XVIII falavam de marzipã, biscoitos, mousses e também receitas italianas de lasanha recheada de amêndoas, nozes, anchovas e chocolate, de fígado com chocolate e até de polenta com chocolate.
Algumas invenções fizeram a diferença na forma como conhecemos o chocolate hoje em dia. Em 1828 Conrad van Houten, cuja família comercializava chocolate em Amsterdam, estava procurando um meio de tornar o chocolate menos oleoso. Ele conseguiu remover boa quantidade de manteiga de cacau do fruto por meio de uma prensa e criou o chocolate em pó desengordurado. Já o primeiro chocolate sólido foi criado pela empresa inglesa Fry and Sons em 1847.
E logo depois chegamos a Suíça, país atualmente muito lembrado por seus delicados chocolates. Em 1876 o confeiteiro suíço Daniel Peter usou o novo leite em pó produzido por seu compatriota Henri Nestlé para fazer a primeira barra de chocolate ao leite. Pois é. Na verdade a nova tendência em consumir chocolates mais amargos foi a origem do chocolate no mundo, já que ele era consumido praticamente em proporções altas de cacau antes de 1876. Dois anos depois o industrial suíço Rudolphe Lindt inventou a “concha”, uma máquina que mistura e revolve conjuntamente as amêndoas de cacau, o açúcar e o leite em pó por várias horas e até dias, criando uma consistência mais suave.
Produção –
A colheita do cacau é manual, pois se for feita de forma errada faz com que a árvore não dê mais frutos. A amêndoa do cacau contém dois tipos de células, sendo que 80% delas são depósitos de proteínas e gorduras, ou seja, manteiga de cacau. Elas são húmidas, pois contém 65% de água. Por isso, depois da colheita é realizada a fermentação, que leva de dois a oito dias e acontece na polpa, penetrando nas amêndoas e liberando o conteúdo das células.
Na sequência os agricultores fazem a secagem, fazendo com que apenas 7% de umidade ainda fique presente nas amêndoas. Em seguida é realizada a torrefação, etapa em que o tempo e a temperatura variam. Por fim, as sementes são moídas até se transformarem em uma pasta chamada licor de cacau (chocolate amargo ou meio amargo) e passam pela “conchagem”, último processo que ajuda na evaporação do excesso de umidade e gera o produto suave e aveludado.
O cacaueiro é denominado Theobroma cacao, e theobroma é “alimento dos deuses” em grego! Um belo significado para esse alimento rico, complexo e que desperta tantas sensações.
Chocolate da Floresta Brasileira –
No sul da Bahia florescem cacaueiros plantados à sombra da Mata Atlântica, cujas amêndoas se transformam no chocolate AMMA. É muito estranho pensar que a Amazônia está inserida na linha de origem do cacau e que ele foi tão pouco explorado por aqui. A missão da Amma, é fazer o chocolate de mais alta qualidade do Brasil. “O segredo para criar o melhor produto começa com os melhores ingredientes. Possuímos nossas próprias fazendas, plantamos as árvores e conversamos com elas”. Um trabalho lindo comandado por Diego Badaró, quinta geração de cacauicultores que vem resgatando a tradição.
Nibs ou Grué de Cacau –
Difícil de ser encontrada, mas que ganha novos mercados a cada dia, muitos cozinheiros, principalmente confeiteiros, estão dando outro tom para as amêndoas de cacau puras, chamadas de nibs ou grué de cacau. O sabor amargo do cacau é bem marcante e a sua textura permite combinações inusitadas na cozinha. Você pode encontrar o Nibs de marcas como AMMA e também da Callebaut.